Ao participar da FEBRATEC na cidade de Novo Hamburgo no Rio Grande de Sul, tomei conhecimento de muitos trabalhos importantes desenvolvidos ou em desenvolvimento por estudantes da educação básica. Naturalmente o meu olhar tem direcionamento endereçado aos trabalhos com os quais mais me identifico, o que faz da mostra algo sensacional dada a quantidade de opções que temos para conhecer e aprender.
Dentre todos os trabalhos apresentados, o que mais chamou-me a atenção tem a ver com a tecnologia educacional iniciada por Freire nos anos 60 e brilhantemente representado por duas alunas de uma Escola Normal do Rio Grande do Sul. Fiquei duplamente surpreso: primeiro porque no Distrito Federal, lugar de minha residência e onde trabalho, as escolas normais já não mais existem desde o início dos anos 2000. Em segundo lugar porque mais uma vez percebi o quanto a obra de Freire tem o poder de encantar os jovens que enveredam pelo caminho da educação.
O trabalho das estudantes parte do princípio da historicidade defendido por Freire em sua Obra, e como tal, se propõem a contar a própria história por meio de um álbum de imagens permeado por um fio condutor. Isto mesmo, se somos seres históricos, conforme defende Freire, temos que nos imergir no compromisso de contar a nossa própria história e por ela nos encantar para podemos interagir com os nossos semelhantes.
E as cartas pedagógicas. Ah, as cartas que nos propomos a escrever uns para os outros ou de nós para conosco, ou ainda, de todos para com todos. Estas cartas que nos fazem viaja pela nossa imaginação e construir significados plausíveis para as nossas vidas. Significados em cuja ausência nos tornamos vazios de emoções motivadoras para a aprendizagem e nos distanciamos da interação com o outro. Algo fundamental na construção e reconstrução de nossas emoções.
Em minha infância, aprendi a escrever cartas para que minha avô por meio delas pudesse se comunicar com minhas tias, tios, primos e primas residentes e domiciliados na cidade de São Paulo. Dentre suas palavras um verso jamais esqueci:
"Se eu fosse um passarinho para poder avoar
subia no alto das nuvens para rapidinho viajar
Iria a São Paulo somente para poder te encontra".
Imagino que enquanto a minha avô ditava estes versos com a sonoridade de suas doces palavras certamente viajava mesmo e reconstruía a cena em sua imaginação. E eu, que em princípio escrevia suas cartas de forma mecanizada e aguardando o preparado que ela fazia ao fogão enquanto falava, não imaginava o quão significativa era, também, para mim aquela forma de se comunicar. Com o tempo eu encontrava-me viajando em suas palavras.
Minha avó, participou das aulas do Movimento de Alfabetização Brasileira - MOBRAL e nas aulas assistidas aprendeu a assinar o seu nome, motivo para ela, de grande orgulho, já que não precisaria mais ter que sujar seu dedo de tinta em cada eleição.
Hoje fico pensando: Ah se minha avó e tantas outras avós e avôs tivesses participado dos Círculo de Cultura freirianos, certamente não teriam aprendido apenas a assinar seus nomes, mas teriam aprendido a escrever suas próprias cartas e a ler o mundo.
A leitura do mundo, o significado das palavras, a esperança, o respeito ao outro, valores fundantes da pedagogia de Freire, contemplados no trabalhos das normalistas, expositoras da MOSTRATEC, na cidade de Novo Hamburgo.
Cartas pedagógicas, modo com o qual freire, mesmo enquanto exilado fora do Brasil, procurou interagir com seus interlocutores e manteve viva a chama não apenas da alfabetização enquanto o conhecimento da letra, mas o letramento para a leitura do mundo em transformação tendo a plena consciência de que sua mensagem, embora clara, precisava ser transformada e retransformada pelo amantes da Educação Brasileira. Freire por sua grande generosidade e pela simplicidade de sua mensagem ousou falar de educação como ato de amor, por que só que ama tem a clareza de que precisa educar para que as pessoas tenho a oportunidade de ver o mundo pelas janelas dos seus próprios olhos e mentes. Daí porque que não podemos ensinar, como ato de depositar o conhecimento na mente dos outros. Temos que apresentar o caminha, temos que nos dispor a aprender com o outro e ao passa dessa aprendizagem perceberemos que o outro também aprendeu conosco. Por sermos inacabados não somos perfeitos. Na verdade no jogo da transformação podemos ser imperfeitos ainda. Podemos descontruir a nossa obra e sermos nada, daí a necessidade de sermos humildes para nos afastar da impossibilidade da autossuficiência, que nos isola do convívio dos nossos semelhantes, nos diminui e nos oprime. Opressão esta, debatida largamente por Freire, a qual confesso, ainda não consigo entender na amplitude dos seus pensamentos mas que me proponho a reviver estes momentos na esperança de Pulo Freire. Que é a esperança de esperar e utar e enquanto luto espero.
Às estudantes, em seu processo de aprendizagem por meio das cartas pedagógicas desejo todo o sucesso estampado em seus olhares ao relatar suas próprias experiências e as experiências vivenciadas com as crianças em seus Círculos de Cultura. Ao mesmo tempo em que lhe agradeço por ter proporcionado a mim, mais um retorno a minha infância.
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