Caras Irmãs, Caros Irmãos,
O tema que ora coloco em pauta assusta pela delicadeza já que é resultado das lutas e transformações sociais acumuladas por muitas gerações.
Recentemente o Brasil reconheceu o direito de pessoas do mesmo sexo contraírem matrimônio e esta é uma conquista que não se resume em si mesma.
As conquistas jurídicas são apenas os primeiros passos para se transformarem em conquistas sociais, serem culturalmente aceitas e se tornarem politicamente justas. Isto porque o fato de Seres Humanos conquistarem ou deixarem de conquistar direitos civis não lhes garante felicidade plena, que aliás acredito ser o objetivo de quem almeja o Reconhecimento Legal das suas ações.
Pois bem, tentarei estabelecer um paralelo entre algumas práticas que foram se constituindo historicamente e ao final, retornarei a este tema. Espero, contudo, não ser preconceituoso ou tendencioso nas minhas inquietações. Apenas considero importante que após a conquista de direitos tão significativos, devamos refletir sobre as possibilidades futuras, visto que, em princípio as conquistas potencializam ganhos ou perdas futuras, tudo depende de como as coisas irão se desenrolar a partir de então. Algo do tipo: conquistei um direito! E agora?
Quando criança, eu me encontrava a perguntar sobre como as crianças vinham ao mundo. Mas não na ótica das crianças humanas e sim, na ótica dos bezerros, cabritos e pintinhos.
Certa vez havia uma vaca prenha prestes a parir. Ela estava inquieta, caminhava de um lado para outro e ninguém se atrevia a chegar perto dela. Os outros bichos do curral também percebiam o movimento e como se já soubessem exatamente o que estava acontecendo chamavam nossa atenção como se estivessem pedindo socorro.
Uma das minhas tias, olhando para mim e para as outras crianças que acompanhavam o movimento sugeriu que nos afastássemos. Daí fomos para dentro de casa, mesmo porque uma sugestão de uma pessoa mais velha àquela época era muito mais que um mandado, se considerados os dias de hoje.
Embora distantes podíamos sentir o sofrimento da vaquinha e de todos os que estavam à sua volta, dada a agitação e aos sussurros que se apresentavam.
Em um dado momento alguém gritou:
_ Você não está vendo que está atravessado! A vaca está exausta. Temos que ajudar se não ela não vai conseguir!
De repente, um silêncio absoluto tomou conta do lugar, até que:
_ Nasceu! Nasceu! Nasceu! Agora deixa ela lamber. (após parir, as vacas limpam suas crias com um longo banho de língua).
No dia seguinte, mal acordei e já corri para ver o que tinha acontecido. Lá estava a vaquinha alimentando o bezerrinho malhado (preto com manchas brancas). À minha volta todos os membros da família contentes e satisfeitos por terem conseguido ajudar no nascimento do bezerrinho...
Outro fato marcante na minha infância foi a ajuda que pude prestar a minha avó nos dias da seleção dos ovos para "deitar as galinhas" e dos ovos para podermos comer. Tudo era muito simples, mas nem por isso pouco interessante. Com uma vela acesa ela aproximava o ovo da chama e conforme a sobra que observava ela dizia se o ovo estava fecundado ou se não. O ovo fecundado era o que transparecia do lado oposto ao da luz, uma pequena sobra distinta dentre a sobra total. Muitos anos depois um amigo me mostrou que o ovo fecundado apresenta um pontinho escuro na gema. Já os ovos não fecundados, as gemas apresentam-se com aspecto uniforme.
A minha avó geralmente deitava a galinha com doze ovos e muitas das vezes nasciam doze pintinhos. Ou seja, o seu grau de acerto era muito alto. Mais tarde, pintinhos se tornavam franguinhos, depois galinhas ou galos. Cada um destes tinha destinação conforme as necessidades da família . Os frangos e as galinhas de mais idade iam para a panela. As galinhas mais novas ocupavam o lugar das mais velhas na tarefa de botar e chocar ovos.
Passados cerca de cinco anos daquelas cenas na minha cabeça, um dos meus tios foi trabalhar em uma granja que produzia frangos para abate. O frango, que antes demorava um ano para atingir o ponto de abate já podia ser obtido em pouco mais de quarenta dias. Em suas penas brancas, a denúncia do crescimento acelerado. Ao invés de ninhos, chocadeiras. O paradigma do nascimento dos pintos em seus ninhos e ao calor do corpo das galinhas foi quebrado.
No que se refere ao nascimento dos seres humanos, mais ou menos na mesma época em que tomei conhecimento das granjas de frango, tomei conhecimento, também, das das "Barrigas de Aluguel". Mais tarde vieram as "Mães solidárias". Com isso foi quebrado outro paradigma, o da forma como as mulheres engravidavam. Um pouco mais tarde ainda, com a famosa Ovelha Dolly, quebrou-se outro paradigma, o da natureza da origem dos óvulos.
Recapitulando:
- Interferimos na natureza dos partos;
- Interferimos na natureza da seleção dos ovos;
- Interferimos na natureza da maturação dos ovos;
- Interferimos na natureza do crescimento das espécies;
- Interferimos na natureza da fecundação dos óvulos;
- Interferimos na natureza dos óvulos;
- Interferimos na natureza da ativação dos óvulos.
Neste sentido, a mudança dos paradigmas da gênese e do desenvolvimento das espécies, por conseguinte passaram a subsidiar mudanças de paradigmas no campo social, dentre os quais as concepções de família e de matrimônio.
Por pressuposto, o ciclo da vida conforme conhecemos inaugura o mais recente capítulo, no qual as questões a serem debatidas mais uma vez serão reformuladas: conquistamos um direito! E agora?
- Como o Ser humano se comportará frente as frágeis fronteiras que separam os eventos do nascimento pela "Seleção Natural" da dos eventos pela "Seleção Controlada" tendo em vista a geração de "Seres Humanos Perfeitos" do ponto de vista orgânico?
- Como esses "Seres Humanos Perfeitos" compreenderão a si mesmos?
- Quais os limites das transformações almejadas pelo Ser Biológico no sentido de atingir o Status de equilíbrio com o Ser Social?
- É possível haver unidade entre o Ser Biológico com o Ser Social, independentemente das suas escolhas?
Do ponto de vista da genética, os seres humanos distinguem-se pelos cromossomos X e Y, entre masculino e feminino.
- Definimos por Ser Biológico a natureza da constituição física aparente declarada por quem prestou assistência ao nascimento do indivíduo, tomado por base os órgãos genitais da criança (masculino ou feminino). Esta declaração é o olhar do Ser Observador sobre o Ser Observado.
- Definimos por Ser Social a natureza da constituição social declarada pelo indivíduo sobre si mesmo. Esta declaração reflete o sentimento do indivíduo com relação ao se Eu interior. Pode, ou não, coincidir com a declaração de Ser Biológico realizada após o nascimento.
Ao declarar-se e aceitar-se a distinção entre Ser Biológico e Ser Social incorremos por reforçar a distinção entre corpo físico e corpo mental. Neste sentido o arcabouço jurídico fundamental para a legalização da união matrimonial entre pessoas do mesmo sexo deve reforçar o entendimento da supremacia do Ser Social sobre o Ser Biológico.
Até que se prove ao contrário, o Ser Biológico pode ter sua constituição física aparente alterada, no que se refere a Forma, no entanto sua Essência (cromossomos X e Y em suas combinações existentes) permanece a mesma. Visto que ainda não dispomos de tecnologia suficiente para desconstruir este paradigma.
No que se refere ao Ser Social, é preciso refletir sobre se é algo de natureza Essencial ou de natureza Circunstancial.
Por outro lado, ao admitir que seria possível ao Ser Humano reestruturar a constituição do Ser Biológico entre o Ser Masculino e o Ser Feminino,não seria desesperador que alguém se predisponha a considerar a possibilidade de reconstruir o Ser Social. A partir de então, o mais tenebroso paradigma seria quebrado: o do Livre Arbítrio. Após este a humanidade entraria em colapso. Todas as "verdades" já tidas como transitórias, poderiam durar segundos ou milésimos de segundo, ou ainda, poderiam alternar invariavelmente...
... E imaginar que tudo começou quando ajudaram o bezerro a nascer...