quarta-feira, outubro 09, 2013

Carta aberta aos que ousam educar seus próprios filhos e suas próprias filhas

Queridos irmãos e irmãs,

Antes de mais nada, peço licença para assim me dirigir a cada um de vós, como meus irmãos e irmãs porque já não mais os tenho por meus alunos, alunas, pais ou mães. Em uma medida mais ampla, somos todos oriundos do mesmo pó umedecidos pela mesma água, recebemos o mesmo sopro de vida e, muitos de nós fomos tomados pelo mesmo fogo.
Muitas pessoas com as quais tive a oportunidade de conviver nos últimos anos têm deixado lições graciosas de esperança sobre como me comportar diante das crianças e, em especial, do meu próprio filho. É interessante notar que ao longo do tempo as relações de cuidado mútuo se manifestam tanto de mim mesmo para com ele quanto dele para comigo. Em suas ações consigo enxergar a segurança que outrora senti na tomada de decisão e que agora reaprendo sobre como me comportar frente aos desafios da vida diária.
Valores tais como solidariedade, compaixão, benevolência, esperança e caridade se multiplicam na medida da nossa necessidade. E tudo o que realizamos parece fazer sentido.
Quando lançamos a semente sobre a terra fértil e a ela dedicamos a medida correta de água e luminosidade, esperamos que germine, torne-se árvore e dê bons frutos. No entanto, o roteiro dos nossos pensamentos nem sempre consolidam-se em realidade. E por saber que assim o é, nós nos propomos a não apenas esperar que a planta cresça por conta própria. Nós a acompanhamos, analisamos passo a passo o seu desenvolvimento e, se percebemos que algo possui potencial para interferir na trajetória que imaginamos para o seu crescimento, logo realizamos as interferências que julgamos necessárias. Assim faz o jardineiro dedicado e amoroso ao pomar.
Se somos capazes de cuidar das plantas, por sermos jardineiros, seremos capazes de cuidar dos filhos por sermos pais ou mães?
Quem são os pais ou mães? Os pais mães dos filhos ou os filhos e filhas dos pais ou mães?

Certa vez falou o meu pai:

_ Tu és o pai de nós todos.

Frase curta mas extremamente complexa. Como pode o filho ser pai do seu próprio pai?

Parece-nos claro que ser pai implica em certos atributos que qualificam o Ser.  Protetor, amigo, corajoso, justo, forte. De igual maneira e com muitos mais atributos significa ser mãe.

Ser digno de admiração.

Talvez seja este um dos fundamentos alcançados pelo filho ou filha quando busca no pai ou mãe um referencial. Neste sentido o ser paternal ou maternal que deseja educar ao seu filho e filha precisa, antes de tudo, avaliar-se. Aceitar-se como ser em transformação. Capaz de admirar e respeitar a si mesmo.

Vejo meu filho crescer e já começo a imaginar que ele tem mais a me ensinar do eu tenho a ele. Por estes dias ele se propôs a me ensinar como ativar a agenda do meu aparelho de telefone celular para que eu não me esquecesse dos meus compromissos.
_ Como você aprendeu? Perguntou sua mãe.
_ Sozinho através do tablet.

As crianças certamente estão mais bem preparadas para conviver com os novos paradigmas que se apresentam. E nós estamos preparados para aceitar que os nossos filhos e filhas estejam além de nós nestas questões?

Algumas coisas parece que não mudam. A experiência é uma delas. Viver muitos anos nos dá a oportunidade de acumular mais experiência. e por ser assim, somos capazes de encurtar a distância a ser percorrida por nossos filhos e filhas em muitas das trilhas de suas vidas. Por outro lado, as crianças, a partir do que somos capazes de lhes ensinar, se encontram em condições de avançar para territórios além dos limites que conhecemos.
Por estes motivos coloco-me na condição de observador. Com humildade entrego nas mãos do meu filho a herança que recebi do meu pai e da minha mãe e sobre a qual acrescentei uma pequena gota de esperança. Aceito do meu filho a oportunidade de me ensinar porque por este meio ele pode comunicar-se comigo na condição de meu pai. Assim o fazendo, abrem-se os caminhos para que ao tentar me ensinar, descubra-se trilhando novos saberes, ainda que acortinados nas trilhas do objeto de conhecimento ocioso de significados para quem tem ávida memória, mas ávido de significados para quem tem ocupações além da própria capacidade de processamento.
Assim, meus queridos irmãos e irmãs, pressuponho que a condição essencial para educar ao outro é aceitar-se ser por ele educado. Ao aprender com o outro somos capazes de lançar luz sobre suas dúvidas e ele mesmo será capaz de aprender sobre o que ainda não sabe. A tarefa de educar ao filho não pode ser prescrita a ninguém posto que educador(a) torna-se em parte pai (mãe) e em parte filho(a). Ao abdicar do direito de o educar, o pai (ou mãe) abdica do direito de ser quem é.
Em comparação ao crescimento da planta, da mesma forma que o jardineiro apenas conseguirá prevenir os possíveis danos causados ao seu crescimento se a acompanhar em todo o tempo, o pai e mãe tão somente conseguirão ajudar ao seu filho(a) se o(a) acompanhar ao tempo de suas necessidades. E mesmo assim conhecerá e reconhecerá que suas limitações poderão coincidir com o fracasso. Por temer, o pai e mãe zelosos não descuida do(a) filho(a). E isso não significa aprisioná-lo(a) dentro de uma redoma. Nem levantá-lo(a) sempre que cair. Na verdade o(a) filho(a) irá cair e o pai ou mãe precisarão ajudá-lo(a) a se levantar, mas apenas com o incremento de força necessária ao impulso inicial. Não com toda a força. E se possível, este incremento de força faz-se-á apenas por duas palavras: "você consegue".
Daí peço permissão aos sábios e sábias que me inspiraram para dizer que:

Educar é a arte de incentivar ao nosso semelhante a realizar o desejo manifesto em seu Ser interior. Incentivar pela palavra. Palavra movida pelo sentimento. Incentivar pelo exemplo. Exemplo movido pela compaixão e esperança. Esperança movida pela fé no Ser que se propõe a aprender. Ser que é nosso semelhante, portanto nosso irmão e irmã.

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