sábado, março 26, 2016

A ilusória sensação do poder

Tudo aquilo a que chamamos de poder refere-se a influência do ser dominante sobre o ser que acredita ser dominado ou que de fato é dominado. O domínio de um ser sobre o outro é uma relação baseada na aceitação, resignação, coação, temor, respeito, necessidade de proteção, dentre outros. Não existe domínio se não houver aceitação. É uma relação de dependência tanto do ser dominante quanto do ser dominado. Em não havendo esta relação, não há domínio.
No plano no qual nos encontramos, toda relação de domínio pode ser rompida unilateralmente eu reafirmada ao critério de ambos, dominante e dominado...No intuito de esclarecer sobre a tese que pretendo defender de que o poder é uma sensação ilusória do ponto de vista do trabalho e do discurso de uma única pessoa, tentarei estabelecer uma parábola, considerando os papéis desempenhados por sete pessoas que compõem uma equipe em um órgão público, na qual todos desempenham cargos de chefia.
1. João é uma pessoa com muitas habilidades para a realização de trabalhos manuais, de aparência rude, muito inteligente e acredita ser um excelente articulador político. Por outro lado tem por hábito, manter Antônio informado sobre tudo o que acontece no órgão, mesmo que isso implique na geração de discórdia com os demais companheiros de trabalho.
2. Antônio é uma pessoa extremamente correta em sua vida pessoal e profissional, cuida da própria família com esmero e dedicação. Por outro lado, acredita que todas as pessoas com as quais trabalha deve seguir o seu exemplo. Tem por hábito tratar as pessoas conforme a hierarquia funcional, ou seja, rigor aos subordinados e subserviência aos superiores hierárquicos.
3. Maria é uma excelente articuladora, sabe distribuir as tarefas dentre os membros do seu grupo de trabalho e via de regra acerta em suas decisões. por outro lado é extremamente centralizadora, acredita que por ser detentora de informações privilegiadas pode conduzir todo o processo de trabalho. Em função dessa característica torna-se por vezes insubordinada e por acreditar que controla o trabalho controlando as pessoas, não acompanha os serviços que são desenvolvidos, por isso submete a instituição a situações vexatórias e promove constrangimentos ao próprio chefe. Vez ou outra lança informações duvidosas ao grupo como se fossem informações verdadeiras, no intuito de reforçar suas convicções.
4. Márcia é extremamente competente, zelosa, fiel, honesta e comprometida com a instituição. Por outro lado é de grande fragilidade emocional. Constantemente alerta incisivamente aos seus chefes para as eventuais irregularidades que podem vir a ocorrer no órgão. Algo que alimenta o rigor de Antônio, seu chefe imediato, que muitas vezes comete excesso no trato aos seus subordinados, o que causa constrangimentos a instituição.
5. Rita é uma pessoa dócil, de fino trato, inteligente, mas extremamente insegura ao tomar decisões. Em muitas situações precisa da presença do chefe para reafirmar as decisões tomadas diante dos grupos com quem trabalha. Por sua saúde emocional frágil foge aos debates mais acirrados e acaba por permitir que decisões sejam tomadas em seu nome.
6. Rodrigo é extremamente correto e comprometido com suas obrigações. Sobre aquilo a que se propõe a fazer, cumpre com esmero. Trata-se de uma pessoa com senso absoluto de territorialidade e não permite intervenções, nem mesmo do chefe, naquilo que cuida em fazer. Sabe como poucos na empresa, delegar funções. Não abre mão da vida pessoal pelo serviço e de forma alguma leva serviço para casa. Por outro lado, por ser uma pessoa que sempre faz planejamento à curto, médio e longo prazo, comete o mínimo de erros. Sua condição para desenvolver o seu trabalho é a autonomia para gerir a sua equipe. Aqueles que não se enquadram em seus planejamentos, simplesmente os descarta.
7. Por último, existe o Miguel, cuja missão é manter integrada toda esta equipe. Suas qualidades e defeitos são pouco conhecidas pelos seus companheiros. Suas decisões são tomadas apenas quando há expressiva necessidade de intervenção, algo que ocorre, principalmente. quando seus subordinados divergem dentre si.
Curiosamente, a diversidade da equipe a torna produtiva e vitoriosa. Qual seria, então, o segredo?
Concentração de poder?
De certa forma, cada um dos membros da equipe conquistou relativo empoderamento para desenvolver o seu trabalho. Esse empoderamento advém dos valores demonstrados em seus afazeres e pelas soluções criativas que apresentam diante da adversidade. Mesmo com suas fragilidades são capazes de conquistar o apoio das pessoas com quem trabalham mais diretamente e passaram a constituir certos núcleos de liderança.
Acreditar que tem poder sobre algo ou sobre alguém tornou-se para cada membro do grupo, de certa forma, necessário para a elevação da própria auto-estima. E diga-se de passagem que todos eles apresentam sinais de que lutam dia a dia para a superação de sintomas de baixa auto estima. Algo que de certa forma contribui para a determinação dos seus posicionamentos.
Ao analisar dentro do grupo quem seria a pessoa mais adequada para ocupar o lugar de chefe de toda a equipe podemos, em primeiro momento conceber que seria pouco plausível que esta equipe permanecesse unida caso algum destes ascendesse ao posto mais elevado na empresa.
Alguns seriam destituídos dos seus cargos pelo chefe mais rigoroso e outros se submeteriam às novas ordens. Por outro lado, chefes inseguros seriam colapsados por chefiados centralizadores.
Conforme os comportamentos descritos, com relação aos membros da equipe pode-se depreender que a concentração de poder induz ao enfraquecimento da coletividade. No entanto há necessidade de certo empoderamento para que constituam núcleos de trabalho autônomos e se tornem produtivos para a empresa. Isto me leva a crer que o poder em si não pode ser concentrado nas mãos de quem quer que seja, mas também não pode ser negado ao grupo. Portanto precisa ser resultante de uma partilha. Interessante seria que cada membro da equipe entendesse que o empoderamento do grupo constitui-se no reconhecimento de que cada sujeito tem muito mais a oferecer quando se propõe a abrir mão de certos comportamentos individualistas que caminham para a desestabilização da equipe. Mais interessante, ainda, seria se cada membro da equipe fosse capaz de entender a complexidade do trabalho dos seus companheiros para, uma vez tornando-se chefe destes, saibam dimensionar o quão necessitam respeitar o trabalho de cada sujeito.
Neste caso, na perspectiva de uma consciência coletiva moderadora, cabe ao líder o papel de promover o equilíbrio das relações de poder. Esta tarefa torna-se extremamente desgastante porque implica em ir de encontro a decisões tomadas unilateralmente pelos seus liderados, principalmente as que causam prejuízo para a equipe como um todo.
O líder precisa reconhecer que terá que preparar os seus liderados para a missão de escolher um novo líder. Não pode ele, intervir na decisão da equipe. Deve ser honesto com relação aos seus sentimentos e precisa abrir mão da própria autonomia em favor da manutenção do grupo. Ele deve saber que:
  1. Necessita persistir;
  2. Necessita pedir perdão e perdoar;
  3. Necessita promover segurança ao grupo;
  4. Necessita tornar-se desnecessário na constituição da autonomia do grupo.
Ao reconhecer o próprio fracasso, sobretudo com relação ao item 4, o líder precisa reunir o grupo e lhe oportunizar esta reflexão porque certamente ele mesmo, incorporou o processo de concentração e afirmação de poder observado dentre os seus liderados. Ele mesmo, por ter aprendido a neutralizar todas as estratégias dos seus liderados, se utilizando dos mesmos argumentos por eles utilizados precisa romper com este ciclo e permitir que eles mesmos avaliem o contexto.
De certa forma, eles já reconhecem que o seu líder, ao assumir as suas próprias estratégias de concentração de poder, se tornou alguém desnecessário para o seu crescimento pessoal e apenas o rompimento da relação de comando pode restabelecer os laços de confiança que um dia se constituíram quando da formação do grupo.
Porque falo que o poder é ilusório? Porque é apenas um ponto de vista comum ao ser dominante e ao ser dominado. Diante de uma nova visão de mundo, o poder não mais existe.
Quando se acredita nesta ilusão de poder cria-se a ideia de que o líder exerce a liderança pela sustentação externa que lhe é concedida. Ou seja, se o líder parece ser forte, tem o aparente respeito e admiração da equipe. Por outro lado se o líder parece ser fraco, torna-se sufocado pela depreciação da própria imagem perante a equipe.
Quando o líder reconhece que seus subordinados atuam segundo estes argumentos, tende a criar em volta deles uma cortina para que não enxerguem todas as informações. Tende a dosar as informações na cota dos afazeres diários dos seus liderados. Este também trata-se de um processo de concentração de poder de extrema fragilidade porque o líder torna-se solitário nos seus próprios afazeres. Nesse sentido, a instituição também torna-se frágil porque na ausência do líder as ações da empresa tendem a desmoronar.
Preparar um substituto torna-se necessariamente compartilhar com ele, todos os segredos da instituição, algo que causa temor porque o próprio líder tende a preparar alguém com expressiva capacidade para macular a sua imagem. Isto ocorre quando o líder pratica atos dos quais se envergonha.
Por outro lado se o líder não teme os próprios atos e manifesta-se no sentido de descortinar todos os seus afazeres, possibilitando a autonomia necessária aos grupos para que desenvolvam os seus afazeres segundo as competências que lhes são conferidas, o que impede aos liderados tornarem-se líderes tão somente é a ausência de humildade para aprender uns com os outros. Neste caso a sensação de poder deixa de ser ilusória e torna-se real, na medida em que se descobre que o verdadeiro poder não pode ser concentrado e sim compartilhado.
Isto significa se alegrar na alegria dos outros, se interessar pela vitória dos outros e trabalhar para que os outros sejam vencedores.
Daí resulta o verdadeiro sentido da vitória. Quando esta, independentemente de quem vença, torna-se vitória de todos.
A sensação de poder individualizado é também uma máscara para disfarçar as próprias fragilidades do sujeito. Não haveria sentido na afirmação de poder se as pessoas tivessem consciências e segurança das próprias potencialidades.
Apenas os sábios conseguem perceber que o verdadeiro poder consiste na capacidade que o sujeito tem para partilhar ou pouco ou o muito que possui em igualdade de dimensionamento.


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