Tudo aquilo a que chamamos de poder refere-se a influência do ser
dominante sobre o ser que acredita ser dominado ou que de fato é dominado. O
domínio de um ser sobre o outro é uma relação baseada na aceitação, resignação,
coação, temor, respeito, necessidade de proteção, dentre outros. Não existe
domínio se não houver aceitação. É uma relação de dependência tanto do ser
dominante quanto do ser dominado. Em não havendo esta relação, não há domínio.
No plano no qual nos encontramos, toda relação de domínio pode ser
rompida unilateralmente eu reafirmada ao critério de ambos, dominante e
dominado...No intuito de esclarecer sobre a tese que pretendo defender de que o
poder é uma sensação ilusória do ponto de vista do trabalho e do discurso de
uma única pessoa, tentarei estabelecer uma parábola, considerando os papéis
desempenhados por sete pessoas que compõem uma equipe em um órgão público, na
qual todos desempenham cargos de chefia.
1. João é uma pessoa com muitas habilidades para a realização de
trabalhos manuais, de aparência rude, muito inteligente e acredita ser um
excelente articulador político. Por outro lado tem por hábito, manter Antônio
informado sobre tudo o que acontece no órgão, mesmo que isso implique na
geração de discórdia com os demais companheiros de trabalho.
2. Antônio é uma pessoa extremamente correta em sua vida pessoal e
profissional, cuida da própria família com esmero e dedicação. Por outro lado,
acredita que todas as pessoas com as quais trabalha deve seguir o seu exemplo.
Tem por hábito tratar as pessoas conforme a hierarquia funcional, ou seja,
rigor aos subordinados e subserviência aos superiores hierárquicos.
3. Maria é uma excelente articuladora, sabe distribuir as tarefas dentre
os membros do seu grupo de trabalho e via de regra acerta em suas decisões. por
outro lado é extremamente centralizadora, acredita que por ser detentora de
informações privilegiadas pode conduzir todo o processo de trabalho. Em função
dessa característica torna-se por vezes insubordinada e por acreditar que
controla o trabalho controlando as pessoas, não acompanha os serviços que são
desenvolvidos, por isso submete a instituição a situações vexatórias e promove
constrangimentos ao próprio chefe. Vez ou outra lança informações duvidosas ao
grupo como se fossem informações verdadeiras, no intuito de reforçar suas
convicções.
4. Márcia é extremamente competente, zelosa, fiel, honesta e
comprometida com a instituição. Por outro lado é de grande fragilidade
emocional. Constantemente alerta incisivamente aos seus chefes para as eventuais
irregularidades que podem vir a ocorrer no órgão. Algo que alimenta o rigor de
Antônio, seu chefe imediato, que muitas vezes comete excesso no trato aos seus
subordinados, o que causa constrangimentos a instituição.
5. Rita é uma pessoa dócil, de fino trato, inteligente, mas extremamente
insegura ao tomar decisões. Em muitas situações precisa da presença do chefe
para reafirmar as decisões tomadas diante dos grupos com quem trabalha. Por sua
saúde emocional frágil foge aos debates mais acirrados e acaba por permitir que
decisões sejam tomadas em seu nome.
6. Rodrigo é extremamente correto e comprometido com suas obrigações.
Sobre aquilo a que se propõe a fazer, cumpre com esmero. Trata-se de uma pessoa
com senso absoluto de territorialidade e não permite intervenções, nem mesmo do
chefe, naquilo que cuida em fazer. Sabe como poucos na empresa, delegar
funções. Não abre mão da vida pessoal pelo serviço e de forma alguma leva
serviço para casa. Por outro lado, por ser uma pessoa que sempre faz
planejamento à curto, médio e longo prazo, comete o mínimo de erros. Sua
condição para desenvolver o seu trabalho é a autonomia para gerir a sua equipe.
Aqueles que não se enquadram em seus planejamentos, simplesmente os descarta.
7. Por último, existe o Miguel, cuja missão é manter integrada toda esta
equipe. Suas qualidades e defeitos são pouco conhecidas pelos seus
companheiros. Suas decisões são tomadas apenas quando há expressiva necessidade
de intervenção, algo que ocorre, principalmente. quando seus subordinados divergem
dentre si.
Curiosamente, a diversidade da equipe a torna produtiva e vitoriosa.
Qual seria, então, o segredo?
Concentração de poder?
De certa forma, cada um dos membros da equipe conquistou relativo
empoderamento para desenvolver o seu trabalho. Esse empoderamento advém dos
valores demonstrados em seus afazeres e pelas soluções criativas que apresentam
diante da adversidade. Mesmo com suas fragilidades são capazes de conquistar o
apoio das pessoas com quem trabalham mais diretamente e passaram a constituir
certos núcleos de liderança.
Acreditar que tem poder sobre algo ou sobre alguém tornou-se para cada
membro do grupo, de certa forma, necessário para a elevação da própria
auto-estima. E diga-se de passagem que todos eles apresentam sinais de que
lutam dia a dia para a superação de sintomas de baixa auto estima. Algo que de
certa forma contribui para a determinação dos seus posicionamentos.
Ao analisar dentro do grupo quem seria a pessoa mais adequada para
ocupar o lugar de chefe de toda a equipe podemos, em primeiro momento conceber
que seria pouco plausível que esta equipe permanecesse unida caso algum destes
ascendesse ao posto mais elevado na empresa.
Alguns seriam destituídos dos seus cargos pelo chefe mais rigoroso e
outros se submeteriam às novas ordens. Por outro lado, chefes inseguros seriam
colapsados por chefiados centralizadores.
Conforme os comportamentos descritos, com relação aos membros da equipe
pode-se depreender que a concentração de poder induz ao enfraquecimento da
coletividade. No entanto há necessidade de certo empoderamento para que
constituam núcleos de trabalho autônomos e se tornem produtivos para a
empresa. Isto me leva a crer que o poder em si não pode ser concentrado
nas mãos de quem quer que seja, mas também não pode ser negado ao grupo.
Portanto precisa ser resultante de uma partilha. Interessante seria que cada
membro da equipe entendesse que o empoderamento do grupo constitui-se no
reconhecimento de que cada sujeito tem muito mais a oferecer quando se propõe a
abrir mão de certos comportamentos individualistas que caminham para a
desestabilização da equipe. Mais interessante, ainda, seria se cada membro da
equipe fosse capaz de entender a complexidade do trabalho dos seus companheiros
para, uma vez tornando-se chefe destes, saibam dimensionar o quão necessitam
respeitar o trabalho de cada sujeito.
Neste caso, na perspectiva de uma consciência coletiva moderadora, cabe
ao líder o papel de promover o equilíbrio das relações de poder. Esta tarefa
torna-se extremamente desgastante porque implica em ir de encontro a decisões
tomadas unilateralmente pelos seus liderados, principalmente as que causam
prejuízo para a equipe como um todo.
O líder precisa reconhecer que terá que preparar os seus liderados para
a missão de escolher um novo líder. Não pode ele, intervir na decisão da
equipe. Deve ser honesto com relação aos seus sentimentos e precisa abrir mão
da própria autonomia em favor da manutenção do grupo. Ele deve saber que:
- Necessita
persistir;
- Necessita
pedir perdão e perdoar;
- Necessita
promover segurança ao grupo;
- Necessita
tornar-se desnecessário na constituição da autonomia do grupo.
Ao reconhecer o próprio fracasso, sobretudo com relação ao item 4, o
líder precisa reunir o grupo e lhe oportunizar esta reflexão porque certamente
ele mesmo, incorporou o processo de concentração e afirmação de poder observado
dentre os seus liderados. Ele mesmo, por ter aprendido a neutralizar todas as
estratégias dos seus liderados, se utilizando dos mesmos argumentos por eles
utilizados precisa romper com este ciclo e permitir que eles mesmos avaliem o
contexto.
De certa forma, eles já reconhecem que o seu líder, ao assumir as suas
próprias estratégias de concentração de poder, se tornou alguém desnecessário
para o seu crescimento pessoal e apenas o rompimento da relação de comando pode
restabelecer os laços de confiança que um dia se constituíram quando da
formação do grupo.
Porque falo que o poder é ilusório? Porque é apenas um ponto de vista
comum ao ser dominante e ao ser dominado. Diante de uma nova visão de mundo, o
poder não mais existe.
Quando se acredita nesta ilusão de poder cria-se a ideia de que o líder
exerce a liderança pela sustentação externa que lhe é concedida. Ou seja, se o
líder parece ser forte, tem o aparente respeito e admiração da equipe. Por
outro lado se o líder parece ser fraco, torna-se sufocado pela depreciação da
própria imagem perante a equipe.
Quando o líder reconhece que seus subordinados atuam segundo estes
argumentos, tende a criar em volta deles uma cortina para que não enxerguem
todas as informações. Tende a dosar as informações na cota dos afazeres diários
dos seus liderados. Este também trata-se de um processo de concentração de
poder de extrema fragilidade porque o líder torna-se solitário nos seus
próprios afazeres. Nesse sentido, a instituição também torna-se frágil porque
na ausência do líder as ações da empresa tendem a desmoronar.
Preparar um substituto torna-se necessariamente compartilhar com ele,
todos os segredos da instituição, algo que causa temor porque o próprio líder
tende a preparar alguém com expressiva capacidade para macular a sua imagem.
Isto ocorre quando o líder pratica atos dos quais se envergonha.
Por outro lado se o líder não teme os próprios atos e manifesta-se no
sentido de descortinar todos os seus afazeres, possibilitando a autonomia
necessária aos grupos para que desenvolvam os seus afazeres segundo as
competências que lhes são conferidas, o que impede aos liderados tornarem-se
líderes tão somente é a ausência de humildade para aprender uns com os outros.
Neste caso a sensação de poder deixa de ser ilusória e torna-se real, na medida
em que se descobre que o verdadeiro poder não pode ser concentrado e sim
compartilhado.
Isto significa se alegrar na alegria dos outros, se interessar pela vitória
dos outros e trabalhar para que os outros sejam vencedores.
Daí resulta o verdadeiro sentido da vitória. Quando esta,
independentemente de quem vença, torna-se vitória de todos.
A sensação de poder individualizado é também uma máscara para disfarçar
as próprias fragilidades do sujeito. Não haveria sentido na afirmação de poder
se as pessoas tivessem consciências e segurança das próprias potencialidades.
Apenas os sábios conseguem perceber que o verdadeiro poder consiste na
capacidade que o sujeito tem para partilhar ou pouco ou o muito que possui em
igualdade de dimensionamento.