sábado, junho 06, 2015

Teoria da opressão: estratégias para desconstruir a ação do opressor

As minhas experiências de vida levaram-me a vivenciar a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire na situação real e existencial. Com esta tenho procurado combater as ações do opressor sem que isto signifique combater a sua própria pessoa.  Esta carta já está escrita em minha mente há muitos meses mas só agora me foi dada a oportunidade de transcrevê-la para a nossa linguagem.


São muitas as pessoas que afirmam ser oprimidas e não muitas as que reconhecem exercer a ação opressora sobre o outro. O opressor apresenta-se como vítima e culpabiliza o oprimido como se este fosse o responsável pelos males existentes.
Se fosse possível apontar em apenas uma frase a diferença entre opressor e oprimido, diria que:
"O oprimido é o único ser capaz de refletir sobre a relação opressor-oprimido"
Isto decorre do fato de que a reflexão para o oprimido gera libertação, enquanto que para o opressor, gera sofrimento. Este, por sua vez, gera transformação e o opressor em si mesmo torar-se-ia oprimido.
Por natureza o opressor tenta reconhecer que não oprime e o faz de forma tão veemente que ele mesmo acaba por acreditar que suas ações opressoras são ações libertadoras, necessárias e justificáveis. Neste sentido elencamos algumas estratégias dos opressores para fortalecer sua posição frente aos demais:

O opressor abandonado - Em situação de abandono, o opressor tende a se fazer de vítima, torna-se uma das pessoas mais solícitas que existe e procura ajudar "voluntariamente" a todos os que se encontram a sua volta. Quando encontra apoio em algum dos seus "amigos" torna-se conselheiro, afável, participativo e voluntarioso. Sempre disposto a ajudar vai galgando espaço. Ao sentir que está ganhando confiança procura amparo em outras pessoa que estão a sua volta. Quando seu ajudador realiza algum feito ele procura não o contradizer em público mas às suas costas passa a comentar com um ou com outro: "se fosse eu, faria diferente". E quando encontra amparo na fala dos seus interlocutores passa a realimentá-los com informações e lhes plantar dúvidas acerca do seu ajudador. Seu objetivo é claro, Em primeiro lugar que ocupar o posto de destaque, mas ele mesmo não deseja combater em público. Sua estratégia maior é minar a confiança do seu seu líder e tornando-o fraco perante os outros, deferirá seu golpe de misericórdia.

Para combater este opressor é necessário que o oprimido mantenha-o desinformado. que jamais compartilhe seus segredos com ele. É necessário, também, que procure colocá-lo diante das situações-problema para testar o limite de suas capacidades. Que alterne suas tarefas e lhe dê autonomia para agir. Diante dos desafios, o opressor será obrigado a manifestar o que tem de melhor. Ele mesmo tentará conquistar para si os créditos da conquista. E é importante que o faça e que os outros o reconheça porque o opressor se sente carente de credibilidade. Nesta caminhada ele sentirá o peso da responsabilidade e dará aos outros a chance real de lhe avaliar pelo seus feito e não pelas suas promessas. O opressor reconhece os próprios limites e saberá recorrer ao oprimido nos momentos em que se sentir incapaz para solucionar os problemas. Neste sentido ele mesmo perderá a oportunidade de criticar o seu bem feito pelas costas porque suas palavras soarão como vazias até mesmo para com os seus acompanhantes.
Ao oprimido cabe o constante desafio de se antecipar ao problema e de construir em silêncio, as soluções necessárias para serem manifestas na hora certa. Mesmo que em segredo seja sondado a apresentar soluções, o oprimido deve ser paciente, porque ao apresentar o que pensa sem que haja conhecimento público, suas ideias serão usuradas pelo opressor.
É importante que saibamos que o opressor se alimenta das ideias alheias. Esta é a ação que o caracteriza. O papel que o oprimido pode desempenhar no sentido de ajudar ao opressor é possibilitar que ele mesmo produza suas próprias ideias. Assim o fazendo, o opressor será liberto do ato de usurpador de ideias.
Combater a opressão não significa se tornar opressor de quem oprime. Significa, antes de tudo, mostrar ao opressor que suas estratégias não funcionam. Que o objetivo comum é a mútua libertação. Mesmo que o oprimido se veja diante da expectativa do máximo sacrifício em favor da libertação. Bem sabe o oprimido que valerá a pena. O oprimido não teme perder tudo o que conquistou se considerar que esta perda ocorra em favor de libertar o opressor.
É interessante notar que o fato de o oprimido perder não significa ganho ao opressor porque ganhar para este é tomar à força, por seus meio escusos. Neste contexto, o sacrifício do oprimido implica em dois significados lógicos: libertação se aceitar o sacrifício do oprimido como ato de amor em favor de sua mudança ou, perdição se observar que o sacrifício do oprimido é para si, uma derrota inaceitável.

O opressor justiceiro - Ao superar a condição de abandono o opressor construirá sua própria rede de proteção. Reunirá em volta de si todas as pessoas consideradas por ele, a parte mais fraca, mas que sejam capazes de se tornar defensores de sua causa. Sua estratégia inicial será a de conceder benefícios que sabidamente o oprimido não concederia. Desta forma construirá a ideia de que é melhor do que o seu bem feitor. Nesta jornada o opressor aproveitará cada momento para se fazer presente, Festas religiosas, aniversários, enfermidades, dentre outros. Dentre os seus liderados, o opressor plantará ideias sutis de discórdia contra os grupos rivais, minoritários, fragilizados e que não concordam com os seus atos. Ele tramará contra estes grupos, mas ele mesmo não deferirá golpe algum. Deixará que seus liderados façam o papel principal. Nesta estratégia, além da confiança do grupo, conquistará o comprometimento. A dívida de gratidão. Gratidão, este é o sentimento que o opressor buscará sempre dentre os seus liderados porque sabe que isto fideliza o apoio. O ponto frágil do opressor nesta estratégia é que ao fazer a escolha por um grupo, considerado por ele o mais forte, obrigatoriamente se verá em oposição ao grupo mais fraco. Como este grupo não pode por ele ser conquistado porque precisa que se submeta as ações dos seus colaboradores diretos, ele tentará subjugá-los pela manipulação ideológica. Negará a estes o direito da conquista, de se sentirem gente, de serem elogiados. Apontará nestes sempre a culpa. Cultivará no meio deles um espia para conhecer seus segredos e utilizar no momento oportuno.

O combate a esta ação opressora se fará justamente elucidando o que o opressor deseja negar. Mostrando aos outros oprimidos o seu real valor. Incentivando-os a lutar pelos seus direitos. Abraçando-os. Desconstituindo a ação opressora sobre eles por meio da elevação de sua auto estima. Não se trata de incentivar a vingança contra o opressor, mas mostrar a ele que os oprimidos conhecem o seu valor e estão dispostos a lutar pelos seus direitos. O opressor em ato de sabedoria tende a recuar e este recuo acaba por fortalecer os oprimidos porque já vacinados de suas estratégias terão condições de se prevenir de outros golpes.
O oprimido sabe que o opressor continuará tentando se fortalecer mas ele mesmo não pode se desesperar e dar a causa por perdida. No decorrer dos acontecimentos o oprimido espera que o opressor seja liberto de si mesmo e mude de comportamento mas por cautela recomenda aos demais oprimidos que construam novas alternativas de sobrevivência para, em situação de domínio do ambiente por parte do opressor, eles terem condições de se afastarem dele.
Para o opressor o afastamento voluntário do oprimido ancora duas possibilidades de entendimento: resiliência ao descobrir que o opressor prefere esforços maiores em outros lugares do que se submeter à sua companhia; empáfia por se sentir vitorioso diante da aparente fuga do oprimido.
A cegueira do opressor consiste no fato de não perceber que dentre os seus liderados, a percepção sobre o líder também pode mudar. Este fato tende a ser desastroso para os seus planos porque o então aliado, diante da oportunidade de aliança com outro opressor certamente o trairá.
O opressor astuto por saber destes movimentos tentará se antecipar adiante dos seus liderados na construção de estratégia de culpabilização dos oprimidos. Espalhará sobre estes a discórdia para evitar que se aproximem.
O oprimido, por sua vez procurará destacar os bons feitos dos demais oprimidos. Ponderará sobre suas condições existenciais e sobre suas limitações. Tentará, mesmo que redundante, demonstrar que também são gente, com sentimentos, emoções e sujeitos ao furor, assim como todas as pessoas. Posto em dúvida, o discurso do opressor perde força e ele mesmo tentará se colocar como apaziguador. Esta mudança, ainda que maquiada pela ação duvidosa, oportuniza ao opressor a veracidade do ato e a possibilidade de transformação do seu ser.

O opressor competente - Outra importante estratégia do opressor em seu processo de escalada rumo ao alcance dos seus objetivos é a tentativa de elucidar o quanto o oprimido é incompetente. Assim o fazendo, ele mesmo sabe que com poucos esforços superará o oprimido. Para sedimentar este processos o opressor lança mão de artifícios tais como sabotagens e  boatos. O opressor chega diante do oprimido acompanhado dos seus aliados e diz: "as pessoas estão comentando". Ele se coloca como representante legítimo em favor da solução dos problemas. Sob o argumento do sigilo ele não precisa identifica que pessoas são essas. E curioso é que essas pessoas só se dirigem ao opressor e não ao oprimido.

A ação do oprimido para combater boatos precisa tão somente ser acompanhada de estratégias não dominadas pelo opressor. Contra boatos anônimos, números reais. Gráficos demonstrativos, estatísticas, registros fotográficos, depoimentos de outras pessoas. Boatos não se sustentam diante de provas.
Neste sentido cabe ao oprimido mais uma vez se superar. Buscar novos conhecimentos e se amparar em resultados.
Diante dos fatos o oprimido terá mais uma vez a chance de ajudar o opressor a se libertar da opressão. O natural demonstrativo de informações ancoradas em fatos comprováveis, desmoraliza as estratégias do opressor e o coloca em condição de humilhação. Se o oprimido não tomar cuidado com o desenrolar dos acontecimentos, ele mesmo torna-se opressor do seu opressor. A estratégia mais adequada parece ser a simples demostração do equívoco cometido pelo opressor e assunto encerrado. Os desdobramentos ficam por conta do opressor em suas duas oportunidades de desenvolver a cordialidade diante da percepção de que o objetivo do oprimido não é o de expor à humilhação e sim o de reparar a injustiça ou rancor por se sentir constrangido diante da derrocada de suas estratégias.
O oprimido espera mais uma vez que o pressor mude de comportamento e transforme suas percepção sobre a realidade. De alguma forma ele sabe que sua vida está ligada a do opressor e se sente co-responsável por sua mudança. Mesmo que o opressor não saiba, ele está disposto a esforços muito maiores para ajudá-lo a se libertar.

Eis as três fases do opressor pelas quais passei. E como relatei anteriormente, se me dispus a refletir sobre a opressor, certamente é porque me senti oprimido. Se demorei muito para transcrever meus pensamentos para a língua portuguesa é porque somente agora sinto-me liberto.

Pergunto a você: fui eu o oprimido ou o opressor?

Na minha concepção, a percepção de opressor-oprimido é idiossincrática, ou seja, depende do próprio indivíduo. É muito difícil o opressor aceitar que oprime porque isto lhe causa sofrimento.


Nenhum comentário:

Postar um comentário