Quando criança, ficava observando as pessoas adultas conversarem sobre as coisas da natureza e ficava sempre maravilhado.
Embora nunca tivessem sequer frequentado escola, os meus avós sabiam muita coisa sobre os ciclos das águas, o cultivo da terra, a conservação de sementes, i.e. Eu sentia como se cada conversa que observava fosse uma rica aula de educação ambiental. Até hoje me pergunto como o meu avô materno pode sustentar a família com as colheitas que fazia em uma pequena porção de terra, enfrentando as constantes secas no Nordeste.
Talvez porque em sua propriedade houvesse a diversificação de frutos que cobriam todas as estações do ano. Porque sempre trabalhou com o consórcio e a alternância de culturas. Porque todo ano mudava o curral de lugar. Porque aproveitava cada palmo de terra. Porque reciclava cada folha de roça. Etc.
Nos tempos atuais ele poderia ser perfeitamente considerado um agricultor orgânico. Que tendo a propriedade rica em biodiversidade, mantinha o equilíbrio natural entre as espécies.
Todas as sextas feiras ele se levantava antes que o dia amanhecesse, ia para o seu roçado de mandioca e de lá arrancava algumas centenas de raízes, levava para a casa de farinha e depois de um longo dia de trabalho chegava em casa com os frutos: farinha torrada, massa para bejú e tapioca, crueira para alimentar as galinhas. Os leirões onde esteve a mandioca receberia a visitas de suas duas vaquinhas para pastar durante a semana.
Nos dias de sábado, antes que do amanhecer, ele se encaminhava para a cidade, que distava duas léguas, para levar a farinha para a comercialização. O meio de transporte era o jumento (roxinho) a quem ele mantinha sob rédea curta e não admitia desobediência. A vara de jucá era quem comandava. O jumento levava dois sacos de farinha e trazia um senhor magro, alto, com a valentia de um caboclo nordestino. A peixeira na cintura (faca de 14 polegadas) dava-lhe a sensação de segurança caso algum engraçadinho tentasse fazer uma abordagem mal intencionada.
A farinha não dava para quem queria, tamanha era a qualidade do produto. Ao ser colacada na boca, sentíamos sua crocância e o suave sabor do amido torrado com riqueza de sais minerais e açúcares contidos na mandioca.
Ao final da tarde lá estava o meu avô de volta para casa com os sacos, que levavam farinha e traziam mantimentos tais como: ceará (carne tipo charque), rapadura, biscoito doce, açúcar, sal, macarrão e arroz.
No meu período de férias escolares, eu sempre lhe acompanhava nas suas voltas para casa e era lá na roça que me sentia um verdadeiro ser da terra.
Sobre as coisas da terra, o meu avô Cassimiro Costa Ramos (Mirinho) foi um dos meus grandes mestres. Com ele aprendi a perceber as variações de humidade do ar e o movimentar das formigas e nela estimar a possibilidade das chuvas. Aprendi a não fazer queimadas. A saber o tempo de plantar e de colher. E tantos outros valores que eram próprios do seu caráter.
Nos tempos de meu avô ser valente era coisa de "cabra macho". Assim ele foi criado e assim buscou educar os filhos e filhas. Só não aprendeu com ele, quem não quis.
Iniciei falando sobre meu avô porque acredito que ele tem tudo a ver com o tema sobre o qual pretendo discorrer.
As práticas realizadas por ele, cidadão brasileiro que sequer frequentou a escola, são as mesmas práticas apontadas na atualidade como práticas de sustentabilidade.
Muitos dos eventos que chamamos de pragas e epidemias são resultado dos desequilíbrios que nós mesmo causamos no meio ambiente.
O avanço desordenado das cidades e a espansão sem planejamento das fronteiras agropecuárias estão entre as principais causas de desequíbrio. Por outro lado a bidiversificação de culturas e o respeito as condições geográfica para as edificações estão entre as práticas a serem consideradas rumo à sustentabilidade.
Atualmente somos forçados a aprender o que o meu avô aprendeu há muito tempo: a porção de terra é limitada e a água é limitada. Só a otimização desses recurso é o que vai possibilitar sua maior durabilidade.
Confesso que muitas vezes me perguntei se fazia sentido um grupo de pessoas se empenharem tanto pela preservção de espécies.
Hoje penso que cada espécie que existe no planeta Terra tem uma razão de existir e portanto, também, tem o direito de continuar existindo. Nós não temos o direito de, deliberadamente, proocar a extinção de qualquer espécie que seja, tal como o fazemos quando invadimos seus habitats e os desalojamos, como se eles não fossem os legítmos proprietários e guardiões do lugar.
Além do mais, penso em cada espécie como portadora de inestimável conhecimento que poderá, inclusive, garantir nossa sobrevivência.
Nos tempo de Pasteur, ilustre microbiologista francês, foram produzidas as vacinas para prevenir algumas das enfermidades que mais acometiam os seres humanos na época. Hoje sabemos que os microorganismos podem nos matar e sabem, também, que sem eles não poemos existir. E quanto mais se conhece sobre os microorganismos, mais se descobre que ainda existe algo a ser descoberto.
Descobrir. Trazer à luz. Trazuzir as linguagens da natureza da natureza para as linguagens que conhecemos. Este é um dos desafios que a humanidade tem pela frente.
Talvez o maior salto de todos na história antiga, presente e futura fosse dado se conseguíssimos conhecer a linguam franca da natureza. Mas não sei se seremos nós, merecedores. Não sei se os demais seres concordam com o ideia de se "desnudar" perante o ser humano.
E mesmo o que chamamos de descoberta pode ter prazo de validade. A natureza muda a linguagem. Esse é o seu constante mecanismo de proteção.
Para falar em biodiversidade recordo-me da bricadeira "PEDRA, PAPEL, TESOURA". Excluido-se uma peça do conjunto, determina-se o ganhador ou perdedor.
O problema central, e que aos poucos estamos nos apercebendo, é que ao se retirar uma peça deste grande conjunto que existe no planeta, nós é que poderemos ser os perdedores. Por outro lado, ao ser reeestabelecido o equilíbrio, todos podem ganhar e todos podem perder, em igualdade de condições.
Vejam que lógica triste:
O homem mata a cobra, a cobra não come o rato, o rato contamina o homem e só quem sobra é o rato.
De certa forma, é isto que tende a acontecer com todos nós quando promovemos o desequilíbrio ambiental e talvez o exemplo mais concreto de proporções planetárias que podemos discutir seja a elevação dos níveis de gás carbônico na atmosfera, que acentua o efeito estufa e implicam nas alterações climáticas.
Fato curioso será o ser humano retronar às suas orígens, quando conseguia se comunicar melhor com a natureza e com ela podia aprender. Estes eram os tempos em que ninguem precisava ser cientista para poder observar, experimentar e analisar para depois fazer recomendações.
Quando nos acercamos de muros e nos distanciamos da natureza, na verdade nos isolamos de uma grande parte do conhecimento que é importantíssimo para a nossa sobrevivência.
Alguns quando querem ter contato com a natureza, se afastam da cidade. Bom seria se a natureza fizesse parte da cidade e não apenas como peça decorativa.
Se consumimos oxigênio e liberamos gás carbônico e as plantas produzem oxigênio consumindo gás barbônico, certamente somos complementares. Curioso é que as plantas vieram antes de nós e nós nos comportamos como se fóssemos mais antigos que elas.
Gostaria de saber em qual lógica se sustenta o desmatamento das das beiras dos rios se são estas matas que dão vida as águas que bebemos?
Gostaria de saber em qual lógica se sustanta as queimadas se elas empobressem o solo sobre o qual cultivamos nossos alimentos?
Gostaria de saber em qual lógica se sustenta a concentração de renda se a terra, o fogo o ar e a água é bem comum à todas as formas de vida que conhecemos?
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