segunda-feira, novembro 01, 2010

A FALA E A NÃO-FALA

As vezes tenho dúvidas se as maiores emoções ocorrem a partir das coisas que escutamos (fala) ou das coisas que não escutamos (não-fala).

A fala é de foro público, a não-fala é de foro íntimo;


A fala por ser submissa ao julgamento pode ser premeditada para fazer impressionar ao interlocutor, portanto pode ser a tentativa da tradução do sentimento verdadeiro ou a máscara do sentimento oculto.

A não-fala por não ser monopólio de quem fala, desprende-se dessas preocupações e reluzem veementemente o sentimento do não-falante.

Toda fala acompanhe-se da não-fala, mas a não-fala não precisa ser falada. Escutamos a fala auditivamente, já a não-fala pode ser sentida pelo Ser Humano, por inteiro.

Sentir a não-fala requer ingressar no vazio dos julgamentos e debruçar no íntimo das emoções compartilhadas no tempo e no espaço.

Qualquer pessoa pode sentir a não-fala:

No sorriso de uma criança, no olhar de uma mãe, no movimentar dos passarinhos, i.e.

A não-fala é a mais sublime forma de comunicação que pode existir dentre os seres. Reveste-se dos estímulos moleculares em cada um de seus movimentos, de cada onda mecânica ou eletromagnética e de cada componente material ou imaterial, conhecido ou não conhecido.

É a não-fala que nos permiti mais segurança para fortalecer os laços de amizade com outras pessoas, valorizar mais a natureza, nos sentir parte dela e nos tornar mais humanos.

A não-fala manifesta-se em nossas ações, denega as palavras vazias e proporciona as mudanças que desejamos que aconteçam.

"Que haja luz" dito unicamente como fala, mudança alguma seria capaz de trazer.

"Que haja luz" sendo a pura expressão da não-fala é o que acostumamos a definir como milagre na ausência de uma explicação melhor.

A fala desacompanhada da não-fala é apenas palavra vazia e como tal, não pode proporcionar construção alguma, antes sim, é fermento para a destruição e para a confusão.

O ser que ousa educar precisa decidir se fará seu discurso "da boca para fora" ou se juntará a este discurso, a não-fala com a correspondência dos seus sentimentos.

O ser que ousa aprender precisa decidir se manifestará esse desejo "da boca para fora" ou se manifestará como correspondência dos seus sentimentos.

Aplico nesta carta a expressão "não-fala" simplesmente porque desejo nela representar um sentimento que desconheço em nosso contexto vocabular.

Estas próprias palavras escritas não conseguem representar o que sinto neste momento, por isso defino como "não-fala".

Certa vez, por meio da não-fala, a minha querida mãe conseguiu transmitir para mim todo o seu sentimento e foi de tamanha proporção que as mudança na minha vida seguem até ao dia de hoje.

Era final de semana em tempos festivos e junto com vários amigos fomos a uma grande festa. Até aquele dia eu jamais havia experimentado os sintomas da embriagues e todos aqueles "amigos" sabiam disso.

Devido as tantas insistências acabei bebendo muito. A minha cabeça começou a girar e no meu íntimo, sabia que estava violando todos os princípios que construíra até aquele dia.

Me afastei do grupo, fui a um banheiro público, vomitei muito na expectativa de minimizar os efeitos da embriagues mas pouco adiantou. A vergonha que me cobria já era maior do que qualquer coisa que pudesse ser feita.

Fui a uma barraquinha, pedi café amargo e bebi, mas ainda sim, não adiantou.

Esperei o dia amanhecer, fui para casa e lá já não encontrei a minha mãe porque estava à minha procura. Deitei-me na cama, o mundo rodava. Levantei-me e tornei a deitar como em um estalo de dedos. Havia perdido a noção de tempo.

Passados alguns minutos, chegou a minha mãe acompanhada do meu pai. Meu pai falou muito, a minha mãe apenas olhou com seu olhar de choro, não escutei nada do que tenha falado, não escutei a sua fala, mas senti a não-fala.

Nunca mais ingeri bebidas acoólicas. Já se passaram quase vinte anos e não consigo sequer frequentar lugares onde haja esse tipo de bebida. Ainda hoje vejo o rosto de minha mãe com seu olhar de choro e sinto a sua não-fala como algo muito presente. A sua não-fala ajudou-me desde aquele tempo e fortalece-me nos dias atuais.

A partir daquele momento aprendi, também, a compreender a não-fala dos meus "amigos".

Essa talvez seja a mensagem subjacente ao título desta carta e só agora que estou terminando, consigo perceber a não-fala que se manifestou conjuntamente com a fala.

Nenhum comentário:

Postar um comentário