sexta-feira, novembro 19, 2010

POR QUE ENSINAR?

Moro em uma casa que tem vista panorâmica para uma área de preservação ambiental. Fica em uma pequena rua sem saída que não totaliza mais do que dez moradias.

Antes da nossa chegada para para fixar residência, moradores de outras localidades faziam da pequena rua um ponto para descarte de vários tipos de lixo e de animais mortos. A beleza estava ofuscada pelo desrespeito para com o meio ambiente.


Quando construímos a nossa pequena casa só havia na rua mais um casal de moradores. Os demais proprietários tinham receio construir suas habitações e não se adaptarem, pois consideravam o local esquisito, inseguro e pouco valorizado.

Todas as tardes dos primeiros meses de nossa chegada para morar, eu e o outro morador nos revezávamos na capina do mato e no recolhimento do  lixo. Aos poucos a pequena rua foi se tornado um lugar agradável e as crianças das ruas vizinhas transformaram-na em lugar de brincar.

Como a nossa presença no local inibiu a captura de pássaros e de outros animais silvestres aos poucos fomos sendo agraciados com os cantos de aves que já não víamos havia muito tempo. O pica-pau, o joão de barro, o sabiá, o pássaro preto, osperiquitos, osmacaquinho, a capivaras e tantos outros retornaram à paisagem e devolveram ao local o que havia sido tirado com o lixo e a captura.

Certo dia, enquanto colhia acerola no quintal de casa, me deparei com uma cena incomum. Um filhote de passarinho do papo amarelo estava no chão, com o bico aberto e com um canto desesperado. Certamente chamava sua maezinha.

Com paciência me aproximei dele e lhe perguntei: eu posso lhe ajudar meu amiguinho?

O passarinho olhou para mim meio assustado, mas não resistiu a minha aproximação. Com muito cuidado o pequei e o levei para habitar dentro de uma samambaia.

Corri depressa, pequei um pouco de trigo para quibe, molhei com água filtrada, o levei até sua presença e com o auxílio de um palito de dente o alimentei cuidadosamente.

Satisfeito o passarinho silenciou, encolheu-se e descansou.

Passadas algumas horas, o bichinho se lançou ao ar, bateu as asas e fez um pouso forçado.

Peguei o bichinho novamente, tornei a colocá-lo na samambaia e a alimentá-lo. E mais tarde a história se repetiu, e se repetiu por pelo menos dois dias até que eu fui procurá-lo na samambaia e ele não mais estava lá. Para a minha surpresa ele estava em cima do pé de acerola e saltava com alegria de uma galho para outro.

Seus vôos foram adquirindo cada vez mais agilidade até que ele foi parar em cima da mangueira localizada na área de preservação ambiental. Cantou de alegria e seguiu seu caminho.

Alguns meses depois fui presenteado. Na mesma samambaia, um ilustre casal construiu um ninho e nele nasceram dois filhotes. Não tenho como afirmar se o papai passarinho foi o mesmo que se alimentou com o auxílio de um palito de dente, mas posso afirmar que fiquei muito feliz.

Os filhotes cresceram com alegria e voaram para a reserva seguindo o roteiro de seus pais. No dia a dia pude contemplar mais e mais desses passarinhos fazerem festa sobre a mangueira. Pensei o quanto é importante nascer e crescer sob os cuidados do papai de da mamãe. Eles sempre procuram um lugar seguro para que seus filhos possam viver nos primeiros dias de vida porque é o período em que os predadores podem atacar com maior facilidade.

Um passarinho certamente aprende a voar vendo os seus semelhantes voarem. Como eu não sei voar, não posso servir de exemplo para passarinho nenhum.

Depois deste episódio, comecei a pensar se a minha interferência não teria sido prejudicial para o meio ambiente, afinal de contas o papel de ensinar a voar não seria meu. O passarinho poderia muito bem escapar de seus predadores, encontrar comida e vencer unicamente pelos seus próprios méritos.

Por outro lado, pensei que a minha presença nas proximidades da reserva ambiental por si só já era uma grande interferência. Além do mais, eu como ser que faz parte da natureza tinha uma decisão a tomar. E o pedido de socorro da pequena ave se sobrepunha a qualquer teoria.

Eis o ponto de partida: porque ensinar?

Ensina-se a quem precisa aprender. É o pedido que nos mobiliza.

Por que ensinamos se não sabemos?

Nunca sabemos tudo. As vezes sabemos muito pouco, outras vezes os que desejam aprender sabem muito mais do que nós. Na verdade, apenas pedem que lhes prestemos auxílio para algo que ainda não podem fazer sozinhos. Ou porque estão fisicamente despreparados ou porque ainda não viram como se faz.

O pequeno pássaro já nasceu no alto. Não sabia como foi parar lá. Quando caiu do ninho não sabia como voltar.

Eu não encontrei seu ninho mas sabia que deveria ser no alto e sabia como levá-lo até lá. Não do jeito dos passarinhos, mas do meu próprio jeito.

Não sei como os alunos aprendem, mas sei como aprendo. Ao mostrar-lhes como aprendo não pretendo que façam exatamente como faço, apenas lhes mostro um jeito de fazer.

Neste sentido, os alunos são como os passarinhos. Muitos conhecem uma parte da história, a outra desejam conhecer. Muitos caíram de um ninho. Não sabem como foram parar lá. Precisam voltar, mas ou não estão preparados fisicamente ou ainda não conhecem um exemplo.

Por mistérios que não posso explicar, a natureza entregou um passarinho aos meus cuidados. Por mistério que não posso explicar, a nação brasileira entregou seus filhos e filhas aos cuidados da escola na esperança de que lhes ajudem a alcançar um posto mais elevado nos degraus do conhecimento. Assim como os passarinhos, os pais e mães já possuem condições físicas e sabem saltar para o vôo.

Seus filhos e filhas desejam voar, mas ainda não possuem condições físicas ou não sabem saltar para o vôo.

A escola não pode ensinar ninguém a saltar nem voar mas pode colocar no alto e alimentar com conhecimento. O aluno e a aluna decidirá quando se lançará ao vôo.

Aquele passarinho poderia muito bem se contentar em receber comida na boca por toda a sua vida mas isso não faz parte de sua natureza. Voar era o seu objetivo.

Eu poderia tê-lo prendido em uma gaiola mas isso não faz parte de minha natureza. Vê-lo voar era o meu objetivo.

É quando os objetivos da escola corroboram com os objetivos dos alunos que a educação acontece.

O aluno e aluna pode optar por passar a vida recebendo auxílio para se alimentar, mas acredito que isto não faz parte de sua natureza, assim como não pode fazer parte da natureza de governante algum entregar o alimento na boca das pessoas por toda a vida.

Da mesma forma que o passarinho voltou para me apresentar sua família como representação de todas as suas conquistas, bom é que a escola se torne digna de receber os filhos de seus alunos e alunas para que nela também possam aprender a voar.

Se aprender faz parte da natureza humana, ensinar é fato complementar.

A natureza é quem mais nos ensina e nós, seres humanos, como seres da natureza, somos parte neste grande esforço de ensinar.

Agora me pergunto:

Por que o passarinho se lançou para fora do ninho pela primeira vez?


Por que sua maezinha não foi ao seu encontro quando foi solicitada?


Por que ele confiou em mim pela primeira vez?


Porque confiou em mim pela segunda vez?


Um comentário:

  1. Olá meu querido professor!!!!
    Como estamos com saudades suas,por isso vim lhe dizer que você tem feito muita falta no Stella e assim que você puder nos faça uma visita.
    Gostaria muito de lhe dizer que você como professor e como uma pessoa me ensino muito,me mostrou como eu posso e devo ir atrás dos meus sonhos...
    Obrigada por ter passado pela minha vida e ter deixado sua marca,eu pela sua ajuda como um otimo educador,consigui chegar ao 3 ano isso é muito bom e por ser o ultimo ano esta bem dificil,mais eu irei consiguir.
    Lhe agradeço muitissimo por ter escolhido esta profissão de educador e por ter se dedicado tanto a nos ajudar,que Deus te abençoe na sua nova caminhada.
    Bjos de sua ex-aluna Patricia Êmile que era do 2G e hoje sou do 3E.

    ResponderExcluir