sexta-feira, outubro 29, 2010

ENEM, EDUCAÇÃO E DEMOCRACIA

Já se passaram 17 anos desde que ingressei no curso de Licenciatura em Química pela Universidade Estadual da Paraíba. Eu era um estudante egresso da escola pública e as opções de curso que me cabiam nas duas Universidades cidade não eram muitas, dadas as carências da minha formação em comparação com alunos egressos das escolas particulares.


Fiz, então, uma conta:

Um curso em que eu tenha condições de atingir nota suficiente para o ingresso;
Um curso que seja na área de Educação;
Um curso que atenda as minhas expectativas profissionais futuras ;
Um curso ministrado próximo de minha residência, para que eu não tenha custos com transporte.

Terminado o raciocínio, cheguei ao curso de Licenciatura em Química e com meus 572 pontos estive entre os primeiros colocados. E como não poderia? Para cada três vagas no curso, haviam duas pessoas inscritas.

Naquela época eu me mantinha com um pensamento fixo: ou passava no vestibular na primeira tentativa ou correria o risco de jamais conseguir ingressar na universidade.

Os anos seguintes acabaram por corroborar com as minhas suspeitas: a concorrência só aumentou e as vagas na Universidade Pública só diminuíram.

Quando iniciei a carreira de magistério no Distrito Federal a situação com a qual me deparei parecia ser reprise da minha própria situação quatro anos antes. As vagas nas Universidades Públicas eram preenchidas, em sua maioria, por alunos oriundos das escolas particulares. Para os alunos das escolas públicas restavam sempre os cursos de menor concorrência, principalmente as licenciaturas.

Na cidade de Planaltina, que é onde se localizam as escola nas quais trabalhei e trabalho havia um agravante. Trinta e cinco quilômetros de distância da universidade mais próxima. Transportes públicos caros e precários. Se eu tivesse nascido nesta cidade, as minhas contas para ingressar na universidade teriam sido mais difíceis.

Naquela época, a Universidade de Brasília lançou o PAS - Programa de Avaliação Seriada, que parecia ser uma proposta que minimizaria as discrepâncias entre alunos de escola pública e particulares. Nos primeiros anos parece que surtiu bons efeitos, mas com o tempo, a indústria dos cursinhos se readaptou e tudo voltou a ser como antes. Depois veio ainda a política de cotas que ao invés de resolver o problema, criou outras demandas.

Com o ENEM e seguidamente com o PROUNI passei a ter esperanças porque percebi que muitos dos meus alunos podiam ingressar na universidade de uma forma menos traumática e, principalmente, porque os vi ingressar em cursos anteriormente dominados pelas classes minoritárias e elitizadas.

Hoje posso falar para os eles de um sonho mais próximo da realidade. Posso contemplar a felicidade nos olhos dos que já estão cursando e dos que já concluíram seus cursos superiores. Muitos advogados, administradores, professores, profissionais de saúde, i.e. Servidores públicos, de empresas privadas ou empresários. Muitos desses que dizem que não entendiam nada das minhas aulas de química mas gostavam delas.

Se aproxima mais um ENEM. Brasileiros de cada canto do País irão fazer as provas confiantes em um futuro melhor. Muitos atingirão notas suficientes para ingressar em um curso superior subsidiado pelo Estado brasileiro. Outros não terão êxito, ficarão tristes e desconsolados. Poderão descobrir que foram enganados. Que mesmo nas democracias, as oportunidades não são para todos. Mas uma coisa é certa, as chances de cada um, aumentam na medida em que mais oportunidades são oferecidas.

Sejam bem vindas as universidades públicas e particulares e todos os programas de financiamento, que em última instância, não financiam apenas o estudo dos jovens, financiam as melhores condições de todos os brasileiros que procurarão profissionais para atendê-los em suas necessidades e os encontrarão.

País miserável é tão somente aquele que nega o conhecimento aos que dele têm sede. País miserável foi um dia o Brasil, que formou muitos portadores de canudos que se negaram ao trabalho para o bem comum porque não era parte de suas vocações e sim da manutenção de "castas".

Confesso para todos que tenho medo ao ser atendido por um profissional que não exerça sua profissão com amor. Confesso, também, que tenho vergonha de "vender" o mais simples dos ensinamentos porque tudo o que recebi não foi comprado. Me conforto em dizer por mim mesmo que não vendo conhecimento e sim, recebo pelo trabalho laboral de organizá-lo em uma sequência que considero lógica para apresentá-lo aos alunos.

Há alguns anos atrás, sobrevivi ministrando aulas particulares nas residências dos alunos, e mesmo naquela época recebi deles pelo esforço laboral e não pelo conhecimento. Curiosamente foram os que não puderam pagar pelos meus serviços, que me proporcionaram maior recompensa. Em cada um deles eu espero que não trabalhem apenas para os que podem pagar. Que trabalhem, também, para os que não podem, e com o mesmo amor porque só assim poderão sentir da emoção que se sentiu aquele que ensinou a "dá de graça o que de graça recebeste".

A educação é uma longa estrada. Não sabemos aonde leva. Não sabemos quanto tempo demora para percorrer. É um longo revezamento. É algo que simplesmente fazemos na esperança de que alguém possa ir um pouco mais adiante. 

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