COM A ESPERANÇA DE PAULO FREIRE

Como pode ser percebido nas minhas últimas postagens, tenho me preocupado muito mais em tratar de questões sociais do que das questões específicas da disciplina a qual me atrevo a ser professor. Tenho me detido neste procedimento porque são estas as minhas inquietações atuais. São parte das histórias reais que tenho compartilhado com os alunos na sala de aula. As minhas irritações, as minhas descontrações e é claro, a somatização do sofrimento que tenho contemplado no cemblante dos alunos. Nas aulas que começam tratando de questões específicas e que muitas vezes avançam na discussão da problemática social que nos envolve. Nas nossas certezas e incertezas.

Confesso para todos que a cada dia eu me pergunto o que vou fazer na escola se sei que muitos alunos não querem que eu lhes fale sobre conteúdos da química. Muitos na verdade, gostariam que eu tivesse faltado naquele dia.

As vezes chego a pensar que a Química na minha vida nada mais é do que o pano de fundo para me aproximar dos jovens e adolescentes e poder lhes falar uma palavra que faça a diferença em suas vidas. E chego a ter certeza de que não me manifestar é tirar de mim mesmo, a única oportunidade de falar algo realmente útil.

É doloroso perceber que muitos alunos vão para a escola para se refugiar de suas rotinas. Porque lá encontram seus amigos e podem se dar ao prazer de fazer algo que realmente gostam. Mesmo que para isso precisem desafiar o professor.

Descobri que a sala de aula é um ótimo lugar para conversar. Todos conversam ao mesmo tempo. Todos se entendem. Ninguém atrapalha ninguém. Exceto o professor que insiste em chamar a atenção dos alunos para a aprendizagem de conhecimentos que eles já decidiram ser incapazes de aprender ou que julgam desnecessários.

Desta semana destaco um fato que acredito merecer maiores reflexões.

Ao chegar em uma turma, todos estavam entusiasmados com a atividade realizada com um outro professor. Tinham em suas mãos um folha de papel com seus respectivos nomes no topo e que se seguia as diversas descrições de si mesmos, feitas por seus colegas. Como eles estavam na sala formando um grande círculo, julgo que as folhas foram passadas em movimento horário ou anti-horário e cada um emitiu o seu parecer sobre o colega, cujo nome estava em destaque.

Esperei por alguns minutos enquanto eles se desmanchavam em gargalhadas, lendo sobre o que os seus colegas haviam escrito. Quando a turma parou por um instante, já aproveitei e fiz a distribuição da atividade do dia e expliquei que era uma atividade preparatória para o teste da semana seguinte.

Ao perceber que alguns insistiam em ler e reler a atividade anterior, fiz o recolhimento destas e guardei comigo. Ao perceber que ainda sim não me davam a atenção solicitada, parei, respirei fundo, sentei-me em minha cadeira e esperei alguns instantes e não mais falei nada.

Um aluno se aproximou de mim e perguntou:

_ Professor, o que faremos com esta atividade?

_Esta atividade vale cinco pontos, e é para ser entregue até o fim desta aula.

Ele foi para o seu lugar, reuniu-se com alguns colegas e deu início ao trabalho. Não demorou muito e logo todos estavam no mesmo ritmo. E todos entregaram a atividade respondida. Uns copiando dos seus colegas. Outros realmente se esforçando. Fizeram porque valia nota.

Esta é a minha inquietação. Estamos diante de jovens e adolescentes que fazem algo na escola em troca de nota. Se e somente se. Sinto-me como se eles estivessem me prestando um serviço. Como se o contratado não fosse eu.

Acredito que eles apenas reproduzem esse comportamento mercenário que a nossa sociedade apregoa. Penso comigo e não deixo de lembrar dos adestradores. Que recompensam pelo acerto e castigam pelo erro.

Recompensas e castigos de um behaviorismo que insiste em prevalecer em nossa sociedade como o mais fiel instrumento de controle social, cuja eficiência aparente, aflora na nefasta destruição do pensamento para tornar os seres humanos escravos ideológicos. Narcisistas em si mesmos. Amparados pela vaidade e pelo imediatismo. Descomprometidos com a solidariedade e com aqueles que nada possuem para ofertar em troca dos seus serviços.

Tenho medo desses futuros líderes da nação brasileira. Desses futuros advogados. Desses futuros médicos. Desses futuros prestadores de serviços essenciais.

Tenho medo de mim mesmo. Das minhas contradições. Que a cada dia preciso estudar Química para compartilhar conhecimentos. Tenho medo de me render ao behaviorismo e me tornar mais um mercenário do conhecimento que se sente feliz por desinformar. Por perpetuar a geração de escravos intelectuais. Analfabetos funcionais que conseguem ler as palavras mas não conseguem interpretar o mundo através delas. Que permanecerão cegos diante da luz, de olhos abertos e fisiologicamente operantes, mas desagregados do todo ao qual pertencem.

Tenho tristeza pelos meus colegas professores e professoras, que já se sentem assombrados em sala de aula. E já não possuem mais argumentos para sobrepor às suas dificuldades. Tenho esperança nos jovens professores e professoras que saíram das universidades acreditando na própria capacidade para melhorar a educação. Que eles jamais sejam contaminados pelo desânimo. Que eles jamais entreguem os pontos. Que eles acreditem nos alunos como seres humanos em formação. Que eles reclamem, mas que caminhem.

Ainda citando as palavras do grande sábio Paulo Freire que afirmava ter esperança, mas não a esperança de ficar parado aguardando os acontecimentos e sim a esperança de lutar para fazer acontecer.

Ao pensar naqueles alunos, tenho neles as feições de crianças. A eles sempre digo: brigo com vocês porque gosto de vocês. Brigo com... luto com... ao lado, nunca por maldade, sempre por esperança, com a esperança de Paulo Freire.