Por menor que seja a ação que desenvolvemos no curso de nossa existência ocorre transformação de energia. Esta energia que utilizamos no planeta terra em grande parcela proveio do sol. O corpo celeste que aquece, ilumina e esteriliza.
A energia que faz com que nos movimentemos, possibilitou o processo de fotossíntese, oxidando oxigênio e reduzindo carbono. As plantas floresceram e frutificaram. Delas nos alimentamos e só então, com o alimento processado em nossos corpos, no processo inverso da fotossíntese, com a oxidação do carbono e redução do oxigênio, podemos exercer nossas funções vitais.
Quero dizer com tudo isso que a natureza trabalhou a nosso favor não só por esse processo, mas por todos os outros que ocorreram a milhões de anos ou a alguns segundos.
Quero dizer ainda mais. Que para que esse energia chegasse até nós, ouve a participação dos nossos semelhantes. Com sua força de trabalho ou o exercício do pensamento.
Recebemos muito. Do respirar ao alimentar. Do enxerga ao escutar. Em cada gesto, em cada ação, recebemos alguma coisa, e por isso precisamos agradecer.
Conforme todos sabem, mesmo porque não me canso de falar, sou professor. Alguém custeou a minha educação. Por um tempo os meus pais, por outro tempo o Estado.
Se foi o Estado, foi o povo brasileiro. Com sua força de trabalho ou com o exercício do pensamento.
Mas antes deles a natureza, fundamentada nos corpos celestes. Matéria clara, matéria escura ou antimatéria.
A natureza já estipulou seu preço. A ela pagarei com a minha vida. No momento em que recolher o meu corpo transformado em poeira.
Os meus pais já estipularam seu preço. Cobraram de mim apenas que eu me tornasse uma pessoa feliz e que estivesse em sua presença até os dias da concessão do criador.
O Estado também já estipulou seu preço. Deseja que eu divida o conhecimento que me proporcionou com outras pessoas. Por isso decidi ser professor de escola pública porque descobri que é lá que estão as pessoas que precisam de mim. Os demais já possuem os seus próprios meios.
Sei que mesmo que viva cem anos de idade, e por todos esses anos dedique a minha vida as pessoas que se dedicaram por mim, ainda sim não poderei lhes pagar. Por isso lhes peço que me perdoe.
Mesmo que viva mil anos e por todos esses anos dedique a minha vida ao benefício da natureza não conseguirei lhe pagar o privilégio que dela recebi. A dádiva da vida. Por isso lhe peço que me perdoe.
Ontem eu escutei da boca de um estudante universitário, as palavras que um dia foram libertadas por minha boca.
_ Contra partida social?
A emoção do estudante que cursou o supletivo e que aos 51 anos de idade se prepara para a conclusão de um curso universitário é também a minha emoção. è para mim duplamente gratificante, porque suas palavras foram proferidas para adolescentes que estudam no ensino médio e que também almejam um curso universítario.
Vi seu olhos brilharem e no brilho dos olhos vi a segurança de que irão tentar com mais esperança, com mais vontade e com mais vigor.
Contra partida social aquele estudante universitário e mais seis de seus colegas foram levar à escola. Levaram um pouco do que receberam. Deixaram lá, a esperança.
Contra partida social implica em levar ao outro algo do que se recebeu. É um gesto de humildade e de solidariedade humana. É algo que transcende as fronteiras do capitalismo e do socialismo. Não deve ser feita por obrigação. Deve ser feita por amor. Por obrigação é pagamento. Por amor é gratidão, é respeito, é resiliência.
Conta-se que certa vez, o grande sábio Paulo Freire se viu cercado por militares armados até aos dentes, com ordens para prendê-lo. O governo o considerava um homem perigoso e talvez realmente tivesse razão.
Um homem franzino que não carregava armas nem agredia com palavras, apenas pregava a liberdade, mas não necessariamente a liberdade física. Pregava principalmente a liberdade do pensar. Da palavra além da palavra.
_ Me senti a ilha das balas. Contou ele.
Cercaram com balas o homem cujo único crime cometido, foi a contra partida social. Em uma proposta de educação pelo amor. Foi ele o homem que desejou ser lembrado como aquele que amou com toda a intensidade os bichos, as plantas e as pessoas.
Naquele momento, reunidos na escola eu, a professora universitária, seus alunos e alunas, meus alunos e alunas consegui perceber um círculo de cultura. Especialistas e aprendizes, construindo momentos de aprendizagem. Todos juntos e um contra partida social.
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