Quando eu ainda me encontrava na condição de criança, lá por volta do final da década de 1980, já me entendia por trabalhador. Na época era mais do que aceitável que as crianças trabalhassem, principalmente se fosse com seus pais, como era o meu caso.
O jargão que se empregava era: "melhor trabalhar do que se crias nas ruas".
Na verdade era algo com o que eu sonhava. Ao trabalhar, poderia ganhar dinheiro e com ele poderia comprar as coisas que desejasse. Que no caso era uma bicicleta.
Como não podia podia comprar via crediário dada a minha pouca idade de 12 anos, o jeito seria juntar o dinheiro para comprar à vista, o que poderia durar alguns meses. E neste caso era muito incerto, visto que corria o risco de alguém me pedir emprestado, ou mesmo perder, algo que ocorria com frequência.
Recordo que o lugar que costumava guardar o dinheiro era no telhado da casa. Não era muito difícil, porque eu dormia na parte de cima da cama beliche e a casa não era tão alta. Mas na época das chuvas o dinheiro acabava mofando.
Outro incoveniente de guardar o dinheiro comigo era o da desvalorização. Era um tal de aumentar zero e tirar zero, que do dia para a noite, já se perdia parte do valor. Na verdade, o que tinha valor mesmo, eram os bens materiais, esses sim "valorizavam com rapidez".
Havia quem acreditasse que era melhor não verder a mercadoria. E quem a vendesse, imediatamente já corria para comprar mais, porque se não, tinha prejuízo.
Nas mercearias que vindiam fiado, nã se anotava o valor da compra e sim a mercadoria que o cliente levava. No dia em que ele fosse pagar é que o dono da mercearia lançava os valores correspondentes e fazia as contas.
Apesar da minha pouca idade, essa lição eu já tinha que saber, afinal de contas, o meu desejo era uma biclicleta.
Depois de muito pensar cheguei à solução: montar a minha própria bicicleta. Para tanto eu compraria as peças e quando já tivesse todas...
... bom, aí já seria outros quinhentos, como se costumava dizer.
Primeiro comprei o quadro, usado é claro. Daí eu o pintei, e foi, e foi e foi, e ao término de quase seis meses, a bicicleta estava pronta.
Andei, andei, andei, andei. Decidi vender. Só recebi parte do dinheiro. Emprestei para a minha mãe.
Ela nunca conseguiu me pagar. Porque me pagava de pouquinho, de pouquinho. Como se conseguisse me pagar só o juro.
Brincadeirinha!
Tudo o que sempre ganhei enquanto morei na casa de meus pais, cuidei em depositar uma parte na mão de minha adorável mãe. Ela é que com sua sabedoria, sempre fez com que houvesse multiplicação. E de fato, ela sempre teve algo para doar para mim e para todos os que nela buscassem socorro. Se toda a minha vida fosse doada a minha mãe, ainda seria pouco para pagar o que ela me concedeu.
Naquela época, eu estudava pela manhã e trabalhava com o meu saudo pai na parte da tarde, em uma pequena autoelétrica. Eu gostava do serviço, mas me incomodava a incertezade saber se conseguiríamos ganhar algum dinheiro para suprir as nossa necessidades. Haviam épocas de fartura e outras de "faltura".
Eu ficava obervando as pessoa que tinha emprego com carteira assinada, que podiam contar com aquela importância no final do mês. Então, quando conpretei 16 anos corri logo para requerer os documentos. Primeiro foi a carteira de identidade, depois o CPF, o título de eleitor e...
... a carteira de trabalho.
Doce engano, minha carteira jamais foi assinada por empresa alguma. Se encontra novinha, novinha.
Ao término do ensino médio (científico) eu já sabia o que queria ser: professor.
Este era o sonho que acalentei deste que estudava a 5ª série ginasial e que construi sob inspiração de um grande professor, que pelo que sei, tornou-se professor universitário no estado do Amazonas. O nome dele nunca esqueci, até porque, tenho um irmão de mesmo nome.
Por amor a meu pai, prestei vestibular para o curso de engenharia mecânica na UFPB, mas os meus 442 pontos não foram suficientes para o ingresso.
Por amor a mim mesmo e ao meu sonho de criança, prestei o vestibular para o curso de Licenciatura em Química para a UEPB e para a minha felicidade, os meus 554 pontos foram suficientes para este curso, assim como o seriam para muitos outros, inclusive para a engenharia, se lá houvesse.
Por que química?
Fiz uma simples conta:
- A universidade distava apenas 6 quilômetros da minha casa;
- Haviam em média 3 vagas no curso para cada dois candidatos;
- O restaurante era gratuito para estudantes;
- Faltava professor de Química nas escolas brasileiras. Eu poderia ganhar pelo menos um salário mínimo, dando aulas nas escolas públicas;
- Eu tinha o receio de ao não conseguir passa no vestibular naquele ano, me desestimular.
Sabem qual foi a minha nota em química neste vestibular? A menor de todas as minhas notas.
Nunca fui o melhor dos alunos, mas ao procurar honrar a oportunidade que tive de ingressar em uma instituição de ensino superior cumpri com o meu papel. Deixei o trabalho na oficina sob a bênção de meu pai e nela só trabalhei em meus horários de folga, que eram os sábados e domingos. Estudei na universidade em três turnos, cheguei a participar de 54 horas de aula por semana. Terminei o curso que normalmente se terminava e quatro anos, no prazo de três.
Com honra me tornei professor e falo dessas coisas não para me vangloriar mas porque me sinto na obrigação de devolver a população brasileira pelo menos uma parte do que ela fez por mim.
Dedico esta carta a minha mãe e ao meu saudoso pai e em nome deles a todas as mães e a todos os pais que amam os seus filhos conforme amam a si mesmos.
Eu escolhi esta profissão sabendo que por ela não seria rico em bens materiais mas que por ela permaneceria sonhando a vida toda, na vivência dos sonhos dos meus alunos e alunas.
Dos onze filhos concedidos a minha mãe e meu pai, cinco são professores e um, será o engenheiro mecânico que meu pai sonhou que eu seria um dia. Os outros seguem suas vidas, nas profissões que escolheram, felizes em seus lares.
Eis a minha inquietação!
Sou inquieto porque na cidade de Planaltina existe um Campus da Unb. Porque sei que sobram vagas nos cursos porque os alunos e alunas desta cidade ainda não sabem que sobra, não querem realizar estes cursos ou, não conseguem passar no vestibular.
Sou inquieto e ao mesmo tempo entristecido porque as condições materiais do Brasil de hoje são muito melhores as do Brasil de ontem e muitos jovens parecem não ter se apercebido.
Tenho plena certeza, de que nem todos os alunos e alunas recebem de seus pais e mães, o mesmo apoio que recebi. Que muitas vezes parece que estão sós.
Hoje, sábado, 20 horas e 8 minutos. Final de semana que para muitos é um tormento. Esperam algum tipo de socorro. Não sabem se virá.
Para esses eu digo com toda a esperança que há em mim. Existe socorro!
É bom saber que ainda há esperança! Que o brilho no olhar não se apagou e não estou sozinha ao acreditar que é´possível construir uma sociedade melhor. E melhor que isso, que ainda temos amigos, companheiros de luta, e para minha felicidade, da mesma escola, que não desistem de sonhar por alunos comprometidos com uma humanidade mais fraterna e realizada.
ResponderExcluir´No tempo em que ter uma professora na família era um orgulho´para os pais, e assim a possibilidade de ajudar no sustento dos demais irmãos era a oportunidade de ouro, que não se podia desperdiçar, nos vimos como vencedores ao adentrar numa sala de aula, como professores, e o que é melhor, concursados.É mole? Em 89, quando entrei na Fundação, hoje Secretaria de Educação, pedi conta do Ministério dos transportes para como professora nível 1 , receber na média mais que o triplo do que ganhava no Ministério. Hoje 2010, a situação é bem diferente... O salário...Oh! ...Como diria Chico Anísio. Mas a garra permanece, a vontade de mudar prá melhor também, a inquietação, essa compartilho com você, que me lê e que também teima em fazer a diferença. Sonhar com um mudo melhor é possível! E muito melhor é viver nele.