quarta-feira, setembro 22, 2010

PAIXÃO PELO DISCURSO

Nos meus tempos de criança, havia um político muito famoso pelos discursos que fazia. As pessoas mesmo sem entender nada do que ele falava, escutavam atentos as suas falas e ao final, sempre o aplaudiam calorosamente.


Nas palavras desse político, os pássaros cantavam mais bonito, a água era mais límpida e o ar era mais puro. Tudo a sua volta ganhava beleza, não importava se estivesse falando de cima de um palanque ornamentado ou de uma caixa de tomate.

Esse político ascendeu aos mais altos cargos eletivos em seu estado e suas palavras permaneceram belas, e por não haver concorrência, ele era unanimidade.

Certo dia, uma outra mente brilhante surgiu como concorrente e lhe impôs derrotas consideráveis. Os argumentos desse outro político não só desconstruiam os quadros pintados pelo poeta, quanto trazia propostas que não se sustentavam apenas nas palavras. Foi como se o rei houvesse sido destronado e magoado decidiu se vingar. Abandonou as palavras e empunhou as armas.

Porque discursar?

O discurso é uma das formas mais legítimas de manifestações por meio das quais os seres humanos compreendem-se como tais. Em sua caracterização, pressupõe orador e ouvintes. O orador por meio de seus argumentos, tenta convencer os ouvintes apresentando os seus pontos de vista. Ao falar, observa atentamente como se comportam os ouvintes. Os olhares, as caras, as bocas e os movimentos corporais servem de parâmetros para que o discurso possa ser aperfeiçoado enquanto se procede.

Existem pessoas que se predispõem a ser plateia, se e somente se o discurso acontecer em seu favor. Determinam o que querem escutar, não aceitam outro ponto de vista. Muitas vezes até determinam quem deve ou não falar.

O curioso é que muitos preferem ser enganados, sentem-se melhor assim. Querem receber a promessa, não importa se será ou não, concretizada. Vale quem der mais, quem oferecer mais facilidades.

Mas o que isso tem a ver com a escola?

Essa é mais uma inquietação.

Muitos discursos construídos na escola são apaixonantes no sentido literal da palavra.

Todos na escola,
Todos pela educação,
Educação direito de todos, ...

Na realidade prática das ações diárias existem outros discursos:

Estudar,
Se esforçar,
Fazer as tarefas,
Realizar exames, ...

Esses discursos não agradam a todos e muitas vezes a tentativa de investi-lo resulta no uso das armas.

Que armas?

Do lado do aluno: a indiferença, as conversações sobre assuntos adversos ao que se encontra em discussão.

Da parte do professor: as advertências, as suspensões, e todas as outras medidas previstas em regimento escolar.

Qual a alternativa?

Eu defendo a paixão pelo discurso. Um discurso que é construído coletivamente. O discurso da compreensão, do entendimento, da valorização de quem fala, do respeito as diferenças. O discurso de juntos somos vencedores e separados somos perdedores.

Nós professores, precisamos nos apropriar de valores necessários para que possamos compreender como agem os alunos. Como respondem ao nosso discurso e por muitas vezes adaptá-lo aos diversos momentos de nossa convivência.

Nos últimos dias, mais do que nos vários outros, tenho adotado a prática de não ser indiferente, de cumprimentar os alunos, observar seus comportamentos e nunca proferir críticas sem antes conhecer como estão se sentindo.

Na verdade, apenas tento fazer com eles o que desejo que façam comigo. Que me dêem atenção. Não apenas em sala de aula, mas nos pátios da escola, nas ruas por onde passo e tenho a oportunidade de encontrá-los.

Ontem eu me coloquei um pouco no lugar de meus alunos ao encontrar um professor universitário que dias antes havia conhecido em uma palestra. Ele me viu e não me cumprimentou. Pensei comigo:

_ Não é assim que faço com os meus alunos?

Certamente que sim. E como será que me sentirei quando encontrá-lo em sua próxima palestra? Lhe escutarei com a mesma atenção? Não sei. Se eu não sei, deve ser bem assim que os alunos se sentem, quando querem falar e não lhes escutamos.

A paixão pelo discurso não é somente falar. É falar e agir. É falar e deixar que o outro fale. É admitir que o outro possa ter melhor discurso do que nós. Paixão pelo discurso é um exercício de humildade na busca pela perfeição, tendo certeza de que não seremos perfeitos.

Será que a falta de argumentos nos dá o direito de desqualificar o discurso do outro? De desviar o foco das atenções, evocando um discurso que não se encontra em pauta nem correlaciona-se ao original? Creio que não. O resultado é sempre desastroso e revela-se assustador quando feito com intuito de mascarar o nosso pensamento ou de fuga da responsabilidade a qual nos é investida.

A paixão pelo discurso exige que sejamos conhecedores a apreciadores dos temas e das palavras. Não posso eu me apaixonar pelo que conheço e tão pouco pedir que outras pessoas se apaixonem.

Como posso eu, estimular que meus alunos e alunas sejam professores se eu não me sinto bem em ser professor?

Nos Brasil faltam professores. Falta porque essa profissão foi perdendo o brilho que tinha com os anos. Foi perdendo o discurso de sua importância. Deixaram de nos dar valor e nós aceitamos as desvalias.

Defendo que sou professor, gosto de ser professor e espero que muitos sintam-se preparados para gostar também.


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